
Em meio ao aparato hi-tech reunido no Simpósio Internacional sobre o futuro da medicina – organizado pela Nasa, a agência espacial americana – o médico brasileiro Leonardo Aguiar, 37 anos, foi convidado para apresentar sua técnica premiada para revolucionar o tratamento médico.

“Foram seis meses de entrevistas virtuais até que me escolheram para estar entre um dos médicos do futuro. Disseram que o meu trabalho é um contraponto importante no uso tecnológico em favor da saúde.”
Durante o mês de fevereiro, Aguiar participou dos cursos e realizou palestras para os principais nomes da tecnologia em saúde. Convidou os profissionais da medicina, de todos os cantos do planeta, a “descerem do pedestal e a ouvirem mais o paciente”.
Leonardo Aguiar: A Singularity University criada pela Nasa reúne uma série de companhias do Vale do Silício (nos EUA) que não querem ganhar dinheiro. O objetivo deles é mudar o mundo. Com este conceito, eles fundaram um braço na área da saúde, chamado FutureMed. São selecionados 30 nomes para participar da capacitação e cada um leva um projeto e uma experiência na área da saúde para divulgar. O objetivo é formar um caldeirão de inovações em saúde, que chegue à população de maneira rápida, eficiente e barata.
Aguiar: Desenvolvi um método chamado co-criação que basicamente serve para mostrar que o médico não é dono nem da saúde nem da doença do paciente. Todos nós médicos precisamos descer do pedestal. Primeiro porque hoje ninguém mais trabalha sozinho. A equipe que funciona é formada por especialistas de várias áreas, enfermagem, nutrição, terapia ocupacional. Os profissionais precisam entender que o paciente faz parte deste time e tem sim poder de voto nas decisões. Mais do que isso, o paciente está no centro das decisões. Eu sou cirurgião plástico e, diariamente, discuto com os pacientes qual é o tamanho da prótese de silicone que ela deseja, o tipo de cicatriz e uma série de outras possibilidades da cirurgia. Existem pessoas que querem escolher a melhor fase da lua para operar e, se isso for importante para ela, eu tenho de respeitar.
O conceito de medicina foi criado em um período de guerra e a cura era o único propósito por não existir outra forma de conduta. Eram muitos feridos e era preciso decidir, por exemplo, quem amputar, quem operar, quando valia tentar a sutura. Agora vivemos outro período, mas a cura a qualquer preço continua sendo a meta exclusiva dos médicos. A medicina do futuro que eu defendo prega qualidade do serviço e menos sofrimento no processo. A decisão por qual procedimento escolher deve envolver diminuir dor, angústia, melhorar o tempo de atendimento e, principalmente, acabar com o sofrimento, seja ele uma orelha de abano, uma deformação no rosto ou um coração que não funciona bem
Aguiar : A proposta é traçar um planejamento, junto com o paciente, desde a primeira consulta até o objetivo final. E está é uma pergunta que os médicos não fazem para os pacientes: 'qual é o seu objetivo?' Claro que entre a primeira consulta e a meta do paciente existem exames e consultas de protocolo, mas todas as decisões precisam levar em conta o meio em que este doente está e qual a relação dele com o problema. Por exemplo: se a pessoa tem cachorro em casa e vai fazer uma cirurgia isso implica em orientar como deve ser a relação com o cão no pós-cirurgico. É basicamente uma conversa, que é sempre terapêutica, e a humildade de saber que o paciente sabe. Ele tem informação. Não é marionete. A função do médico é orientar e não decidir
Aguiar: Eu tinha dúvidas na hora de inscrever o projeto na pré-seleção, porque imaginei que a Nasa estava focada em laser, máquinas e robôs. Foram seis meses de conversas virtuais, eles questionando o método até me escolherem. Mas o projeto é embasado em muita pesquisa e acredito que os organizadores queriam este contraponto. Hoje existem duas situações: os médicos mais novos, criados em relações apoiadas em rede sociais, têm mais dificuldade no relacionamento pessoal, em conversar cara a cara, lidar com medos, angústias e frustrações. Qualquer um sabe que é mais fácil terminar um namoro por email do que pessoalmente. Porém, em medicina, nenhum exame ou tecnologia substitui o contato físico.
Ao mesmo tempo, os médicos mais velhos têm dificuldades em usar as tecnologias, fundamentais para o exercício da medicina, na hora de agendar consultas, preencher fichas, etc. Também é verdade que o mundo virtual pode ser usado para melhorar o tempo e a relação entre médico e paciente. É preciso o equilíbrio entre estes dois lados da moeda. Além disso, a internet exige que o médico desça do pedestal porque o doente não busca mais o saber do médico. Ele chega ao consultório para confrontar o que o médico sabe ou não, porque tem uma rede de contatos: o google, sites especializados, amigos em rede que já passaram pelo problema, etc.
Aguiar : Eu já. Sou cirurgião plástico, trabalhei na equipe do Ivo Pitanguy, foi escolhido por ele para ingressar no time. Uma hora ou outra, você acha que é o dono da verdade só porque sabe como fazer. Mas foi o próprio Pitanguy que me trouxe para o solo. Enquanto todo mundo se preocupava com a lipoaspiração de última geração, ele conversava com a paciente e preocupava-se em ver se o quarto tinha duas camas para o acompanhante. Ele me ensinou que o cirurgião plástico usa o bisturi para afagar a alma das pessoas. Eu entendi que todos os médicos, não importa o instrumento e a especialidade, também devem ter o foco na alma. E na Nasa atestei que os astronautas mais importantes, os desenvolvedores de tecnologias mais avançadas, também têm esta filosofia. Quanto mais conhecimento, mais humildade.
Fonte: Último Segundo
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