sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Superpopulação de cães abandonados ameaça menor aldeia do Brasil

“Esse aqui chegou na segunda-feira (7)”, diz a índia guarani Vanuza Fernandes Jesus, de 36 anos, enquanto aponta para um cachorro de pequeno porte, com pelo cinza, que foi apelidado de Pulguento. Desde que acabou largado na Estrada Turística do Jaraguá, zona norte de São Paulo, o cão foi acolhido nas aldeias Tekoá Pyau e Tekoá Ytu, as menores do Brasil. 

No local, Pulguento se juntou a outros 400 cachorros que têm em comum a forma como chegaram. Todos foram abandonados por antigos donos perto da comunidade indígena guarani.

Isso porque o local é um dos pontos onde moradores da capital paulista costumam largar filhotes, animais doentes ou idosos. Assim os 600 índios da aldeia agora dividem o pequeno espaço de 17 mil metros quadrados com cães e gatos abandonados na região. O problema é que, sem local para plantar milho ou amendoim e com problemas de saneamento básico, os indígenas não têm como garantir alimento para todos os animais, e a doenças contaminam tanto o terreno como afetam as crianças.
“Aqui tem mais cachorro do que índio (risos)”, brinca o cacique Mbyá-Guarani Ari August Martín, de 73 anos. “Cada família deve estar, mais ou menos, com quatro ou cinco cachorros. O problema é que o branco é que solta. Chega aqui e vão colocando tudo ali na rua. Cinco ou seis anos atrás colocamos uma reportagem aqui no jornal do bairro e o pessoal do Centro de Controle de Zoonoses passou a ajudar com vacina. Mas, assim, continua o abandono. Não tem jeito”, complementa.
Atualmente, os cachorros sobrevivem graças às doações conseguidas por uma voluntária. Há 12 anos, Maria Aparecida Carvalho, de 58 anos, reúne, uma vez por mês, cerca de 1.800 quilos de ração para levar aos cachorros da aldeia. “Consegui montar um mecanismo que vem funcionando. Mas, se eu morrer, não sei se alguém vai levar esse trabalho adiante. Eu acho que não. E, mesmo assim, 1.800 quilos não é suficiente. A situação está aquém de ser razoável”, critica Cida, como é conhecida na aldeia.
Ela conta, por exemplo, que quando começou a ajudar os índios o número de cachorros era bem inferior. “Sempre chegam novos cachorros. Na semana passada, os índios me ligaram dizendo que abandonaram uma cadela com cinco filhotes recém-nascidos. Eles ainda estavam com os olhinhos fechados. É cruel. Eu acho terrível. Os filhotes que chegam a partir dos quatro ou cinco meses ainda sobrevivem, mas os bebês morrem todos. É caso de polícia. Tinha que pegar e pôr policiais lá, em volta, para pegar essas pessoas que abandonam os cachorros”, argumenta.
Terreno contaminado
Muitas vezes, os cachorros são abandonados porque estão doentes e, ao morrerem, contaminam o solo com bactérias ou vírus que acabam passando para os outros cães saudáveis da aldeia. Enquanto conhecia a comunidade indígena, a reportagem do iG encontrou, por exemplo, o corpo de um cachorro de pequeno porte, já em decomposição, no fundo do terreno da Tekoá Ytu, que ainda não tinha sido visto pelos índios. “Deve ser cinomose”, lamentou a índia Sônia Barbosa, de 38 anos, ao se referir à doença viral e contagiosa que acomete os cães.
É que, ainda com a ajuda do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), que vacina os cachorros da aldeia, os novos animais que chegam podem ser contaminados pelo vírus presente no ambiente. A cinomose, no entanto, não afeta os humanos. Apesar disso, as crianças da aldeia acabam sentindo na pele os efeitos da chegada de mais e mais animais a cada dia. “O CCZ cuida do animal e traz ele de volta, não vai resolver. É onde causa doença de pele, coceira que as crianças pegam, ferida na cabeça. É essa a situação que a gente vive hoje”, explica Sônia.
Pedido de ajuda
A situação despertou a preocupação do Ministério Público Federal (MPF). No último dia 1º, a procuradora da República Priscila Costa Schreiner visitou as duas aldeias, acompanhada pela antropóloga Deborah Stucchi. Os guaranis pediram, entre outras coisas, que a procuradora os auxiliasse, junto aos órgãos responsáveis, no controle da superpopulação de cães abandonados nas duas áreas indígenas.
“Eu já falei para Zoonoses que tinha que diminuir um pouco porque olha como fica o terreno. Só sujeira. De dia você ainda consegue andar, mas e de noite? Não dá. É verdade que a Zoonoses está ajudando, fazendo a castração, mas não dá porque cada vez vai aparecendo mais cachorro e aí eles ficam agressivos. Até nós somos mordidos”, afirma o cacique.
O Centro de Controle de Zoonoses explica que faz castração, vacinação, vermifugação e atendimento veterinário nos animais da aldeia, mas esclarece que não pode remover ou abrigar os animais. Recentemente, a aldeia ganhou uma placa que alerta sobre a lei federal 9.605/98 que trata também de maus-tratos, mas pode servir para enquadrar pessoas em alguns casos de abandono. Não adiantou.

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