quinta-feira, 24 de abril de 2014

Saiba quem foi João 23, que será canonizado domingo com João Paulo 2º

Na noite de 11 de outubro de 1962, o papa João 23 fez algo tão natural que é impressionante que tenha sido tão revolucionário na época. Ele foi até a janela do Palácio Apostólico do Vaticano e falou com os fiéis que empunhavam velas abaixo não usando palavras arcaicas e ensaiadas dos pontífices do passado, mas proferindo aquelas de um pai e pastor que cuidam de seu rebanho.

Embora grande parte do foco da canonização dupla de domingo esteja no papado de 26 anos de João Paulo 2º e em sua corrida quase recorde para a santidade, muitos católicos mais velhos estarão celebrando o curto, mas histórico, pontificado do "Bom Papa", João 23.
"Ao ir para casa, vocês verão seus filhos. Faça carinho neles e lhes digam: 'Esse é o afago do papa", disse João à multidão na Praça de São Pedro.
As palavras de João, declaradas na noite de abertura do Concílio Vaticano 2º, acabaram por definir seu papado. O discurso sintetizou como João capturou os corações dos católicos com sua afeição simples e paternal enquanto usava sua astúcia intuitiva para lançar o Vaticano 2º e levar a instituição de 2 mil anos para o mundo moderno. Essa é uma combinação incorporada pelo atual papa, Francisco.
"Ele foi corajoso. Um bom padre do interior, com um grande senso de humor e grande santidade", disse Francisco aos repórteres no ano passado, quando questionado sobre os atributos de João. "Ele foi um dos grandes."
Nascido em 1881 de meeiros no norte da Itália, Angelo Giuseppe Roncalli foi eleito papa em 28 de outubro de 1958, escolhendo o nome de seu pai e, no processo, corrigindo o acidente histórico que foi o antipapa do século 15 João 23. Durante o Cisma do Ocidente no início dos anos 1400, João 23 foi um de três homens que reivindicaram o papado ao mesmo tempo, embora mais tarde tenha renunciado.
Eleito aos 76 anos, esperava-se que o legítimo papa João 23 fosse um pontífice transitório e relativamente calmo depois do reinado de 19 anos do papa Pio 12 na era da Segunda Guerra (1939-1945).
João tinha outros planos. Menos de três meses depois de ser eleito, anunciou que convocaria o Vaticano 2º, o primeiro conselho ecumênico em um século. O Vaticano 2º acabou por permitir o uso das línguas nacionais em vez do latim nas missas. Ele pediu maior participação dos fiéis leigos na vida da Igreja e revolucionou as relações dos católicos com os judeus. Também cristalizou as diferenças ainda vivas até hoje entre os tradicionalistas, os católicos conservadores e a ala mais progressista da Igreja.
Nenhum dos féis que se reuniram na Praça de São Pedro na noite de sua abertura sabia o que os aguardava, mas estavam esperançosos. As palavras de João pareciam anunciar algo novo: elas eram espontâneas quando os papas normalmente falavam parágrafos rígidos e preparados. Elas eram paternais quando se esperava que os papas soassem magnânimos. E talvez mais importante: elas ecoaram em salas de estar de todo o mundo através do meio relativamente novo da televisão.
"Até então, a televisão foi usada em grande parte para representar o esplendor do poder eclesial e político", disse Alberto Melloni, biógrafo de João que gerencia a fundação em Bologna que mantém os documentos dele. "Sua forma de falar de improviso naquela noite rompeu com o esquema do vídeo de ser uma demonstração de poder."
O pronunciamento é agora afetuosamente chamado de "Discurso da Lua". Em seu início, João se maravilhou com o tamanho da multidão abaixo e disse que até parecia que a lua havia aparecido mais cedo para ver o espetáculo.
Embora João não tenha vivido para ver o concílio — ele morreu de câncer no estômago em 3 de junho de 1963 —, é visto como aquele que teve a coragem de lançar o processo que definiu a Igreja Católica no século 20, renovando a doutrina da Igreja nos tempos modernos.
O reverendo Robert Wister, um historiador religioso na Universidade Seton Hall, disse que a "aparência rechonchuda" de João — frequentemente citada na caricatura bem-intencionada, mas imprecisa, de João como um simplório — difamava um diplomata que lidou com algumas das tarefas mais duras da Igreja antes de se tornar papa.

AP
João 23 e João Paulo 2º serão canonizados no domingo (27)

Roncalli foi o enviado do Vaticano à Turquia durante a Segunda Guerra e acredita-se que salvou milhares de judeus que fugiam da Europa ao falsificar suas certidões de nascimento. Ele então se tornou embaixador na França logo após a libertação do país do regime nazista.
"Você não envia o idiota do interior para lidar com (o general francês) Charles de Gaulle", disse Wister. "Você envia um diplomata brilhante."
Ao mesmo tempo, João era um padre básico de paróquia: em seu primeiro Natal como papa, saiu do Vaticano para visitar crianças no principal hospital infantil de Roma. No dia seguinte, visitou presos na principal prisão da cidade italiana. Ele reservava os domingos para ir a paróquias na periferia da capital. No total, ele "escapou" do Vaticano 152 vezes durante seu papado de quatro anos e meio, enquanto Pio 12 saiu espontaneamente uma única vez para visitar um bairro devastado por um bombardeio durante a guerra.
Além do Vaticano 2º, João é talvez mais conhecido por sua última encíclica papal "Paz na Terra", emitida logo após a crise dos mísseis de Cuba, que começou apenas três dias depois do início do Vaticano 2º. O documentou elaborou um novo tipo de ensinamento da Igreja como promotor da paz mundial. Ela foi a primeira encíclica não voltada apenas ao clero, mas a "todos os homens de boa vontade", em um sinal da abertura de João ao mundo do lado de fora dos muros do Vaticano.
"Ele foi um homem capaz de transmitir paz", disse Francisco a uma delegação da cidade natal de João, Bergamo, no aniversário de 50 anos de sua morte em junho do ano passado. "Ele transmitia paz porque tinha uma alma profundamente pacífica."

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